Páginas

17 dezembro, 2013

Feliz natal, disseram eles...

    Há nas ruas sempre um pouco de tristeza, outro tanto de poesia. Principalmente nesta época, o natal. Famílias saindo pra comprar presentes pra parentes odiosos, onde calculam o quanto se amam, pelo quanto vale o que está embrulhado por um papel asqueroso. Essas decorações deviam ser todas azuis, pra combinar com esse 'livre-mercado', liberalismo desenfreado e assassino. Mas acho que deve ser vermelho apenas pra representar o sangue dos 'duendes' explorados, que ninguém nunca vê. E como diz a história, moram lá no polo norte, também conhecido como subúrbios ou favelas. Bem longe dos sorrisos falsos que habitam os centros comerciais. Há tempos tenho deixado essas coisas de lado, essa solidariedade só de fim de ano, os presentes industriais. Consumimos tanto, que nem sabemos pra onde vai, de onde vem. Nunca vemos além, além dos produtos, além das lojas, além dos rostos cansados de se fazerem simpáticos pra vender a mesma merda todo dia. Não há satisfação em ter dono, não há vida em ter patrão - submissão é morte, rebeldia é vida - Mas como? Te ensinaram assim, a ser assim. Ensinaram aos seus pais assim, aos seus avós. E aos pais de seus avós. Como lutar? Como resistir? Nos roubaram a vara, o peixe, o mar, as estrelas e os sonhos. Restou-nos instituições podadoras de diversidade, de criatividade. Nos empurraram mil e uma coisas iguais, com embalagens diferentes, e dizem que ISSO é ter escolha. Nos forçaram a aceitar isso, e nem ousaram nos consultar - aliás - eles nem sabem da nossa existência. Conhecem-nos só como pesquisa, como dados. Não me perguntaram o que quero, me disseram o que querer. Não me perguntaram o que sinto, me disseram o que sentir. Ninguém nunca quer saber dos problemas alheios. Eu até entendo, já estamos todos atolados na merda, quem afinal, quer mais merda para se cobrir?
      Mas há sempre um breve vento, uma brisa, que seja! Vem do sul, em direção ao norte. Sempre há um pedacinho de nós que sabe pra onde ir. Sabe onde há um porto seguro. Nós só não sabemos como faz pra atravessar esta areia movediça entre o céu e o inferno. Vejo uma garotinha no colo de sua mãe, está no banco a minha frente. Eu diria no máximo uns quatro anos, cabelo encaracolado, loira, branquela. Talvez uma futura fascista, uma médica, uma atendente daquele bar de esquina que tem sinuca e os salgadinhos mais gordurosos do bairro. Talvez uma futura prostituta, ou morra antes da primeira menstruação. Quem sabe? Ninguém. Ninguém nunca sabe o que essas crianças serão. E na infinita possibilidade, sabemos que será corrompida, por essa lógica neoliberal, essa falsa escassez de dinheiro, essa falsa liberdade de escolha. Essa competição que nunca cessa, e não se vê um único dia de plenitude, de ajuda e cooperação. Não se vê uma mão estendida que não seja pra te pegar pelos cabelos e te jogar no fundo do poço, cada vez mais, te usando de andaime.
     Mas por mais perdido que eu esteja, sei que não é este o meu norte, e sim o meu sul. É o que deve ficar pra trás, deve ser superado. Posso não saber pra onde ir, mas sei muito bem onde não quero estar. E por todas as crianças do campo, por todo pobre morto pela polícia, por todo índio tirado de suas terras, por todo negro que estava no lugar errado, na hora errada, por toda mulher violentada, por todo animal dilacerado, por todo rebelde preso porque, assim como eu, cansou de submissão:
    Jamais regrediremos um passo, até que todo 'duende' esteja sem grilhões em suas pernas, e em suas mentes. Até que todo sopro de esperança leve consigo a resignação.

0 comentários:

Postar um comentário

 
 
Copyright © Navios Naufragados
Blogger Theme by BloggerThemes Design by Diovo.com