Talvez tanto tivessem razão, mesmo parecendo apenas
mesquinharia o modo como agiam e a vida que viviam – agora parece tudo normal,
como se eu fosse descrito como escória que lia nos livros dos grandes poetas
sujos das metrópoles. Entre o manto invisível e o olhar por desprezo.
Passo e ninguém repara, mas eu vejo seus rostos, as
cicatrizes e até sinto suas mágoas, como um psicanalista ou coisa que o valha,
mas tudo que posso trazer é a cura de minhas palavras – que de fato não curam
enfermidade alguma, a não ser as da alma.
Escrevo aqui porque sinto demais. Mais do que qualquer
ouvido despretensioso estaria disposto a ouvir. Toco-me em minhas próprias
palavras, converso com cada contradição que carrego, mesmo já não sabendo se
tudo o que escrevo sou, ou se são apenas lembranças de tudo que já
experimentei. Oh, céus! Como é difícil percorrer o caminho que leva até si
mesmo! E como poderia alguém me ajudar? Não é como perguntar onde fica a
padaria e receber sempre a mesma resposta, o caminho é solitário, o mais
solitário de todos os caminhos. O destino de rebanho certamente é onde crio meu
desvio. Porque sou o único a me escutar, e que tragédia seria andar desnudo por
aí, com os pensamentos transbordando-me os poros.
Não sente-se mais o aconchego do lar, nem o abraço quente
maternal, tão pouco os sorrisos paterno. Somos navios em meio à imensidão das
ondas, um ser solitário boiando nas infinitas linhas das divagações. A busca
sem fim, o desejo incessante, como fogo que arde e cada dia cresce mais ao leve
balanço do sopro que sentimos nos bons momentos.
Já me neguei tantas vezes que não sei mais o que me apraz.
Tudo é outro, e o que sou eu em meio a isso tudo? Em que momento finalmente
poderei descansar-me, achado na escuridão mais profunda de meu próprio ser. Não
sei onde começo e onde termino. Não sei pra onde vou, ou o que amarei amanhã.
Sou em cada instante uma nova era, e a negação de tudo que já fui. Só assim
poderei ainda percorrer os campos que me separam de mim. Talvez encontre-me
junto às estrelas já mortas, que não cessam seu brilhar. Pois só pode se achar
o caminho de volta, depois de já ter ido.