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16 outubro, 2013

O ego e o reflexo

É só outro dia que chegar em casa é sempre a mesma coisa, a mesma xícara de café de duas semanas atrás ainda em cima da mesa, fedor de mofo e um resquício de incenso, que disseram ser feito de adubo. Tem pequeninos insetos cortando meu olhar sobre o monitor, dançando pelo quarto por causa das cascas de frutas no lixeiro que nunca teve tampa. Há uma pilha de desenhos e quadros, ao lado da pilha de livros que se estende sobre a cama com um xerox do Derrida, o livro mais chamativo do Leminski e um lembrete de um compromisso para amanhã. Sacar dinheiro para pagar o aluguel, pagar este quarto mofado mais morto que minhas esperanças de algo promissor em qualquer caminho da minha vida, não sei bem os rumos que tomei, nem mesmo se já tomei algum, pela dúvida parece realmente que não. E está longe disso acontecer, são tantas desventuras e pensamentos medrosos para conseguir firmar o próximo passo, atolado sempre mais nesse lodo, perdendo-se nos devaneios e máscaras, desfilando de salto na passarela da esfera social. Estou farto, demasiado farto. Já não posso mais desviar de tantos dedos, já não consigo ver beleza nessas faces cansadas, tanto quanto eu, de continuar sendo outra coisa que não si mesmo. "Em que espelho ficou perdida a minha face", em que segundo ficou perdido os meus atos, em que ouvido ficou perdida minhas palavras, em que pensamentos me perdi? É tão longe de casa, mais longe do que se possa imaginar, como seria voltar? Como seria mudar? Como seria descobrir o que sou... Cada dia que passa, é apenas outro dia passado, e se penso no passado é difícil lembrar como eu tenho passado todos esses dias, até agora. Não sei como ainda mantenho-me andando, apontando o pé à direção alguma, sem conseguir falar para metade das pessoas que conheço; como estou de saco cheio delas. Errei o rumo, me perdi do mundo e se me abrigo aqui é apenas por vaidade. Vejo o reflexo no espelho deste rosto triste e sem expressão, fito-o por alguns segundos, essa face me é peculiar, parece comigo, mas já nem sei mais como me pareço.

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